Transladação da Santa Casa de Nazaré
Era no ano de 1291. Os santos lugares da Palestina eram invadidos. A igreja magnífica, que a imperatriz Helena erigira em Nazaré, vinha de tombar sob o terrível martelo destruidor dos maometanos. O santo lar ia ter a mesma sorte, quando Deus ordenou aos anjos que o transportassem às terras felizes da fiel Dalmácia.
Estava-se a 10 de maio. E, à segunda vigília da noite, o santuário de Nazaré fora depositado às margens do Adriático entre Tersatz e Fiume, num lugar vulgarmente chamado Rauniza pelos habitantes do país.
Nicolau IV governava então a Igreja, e Rodolfo de Habsburgo o império.
A cidade de Tersatz obedecia a Nicolau Frangipane, oriundo da antiga raça aniciens, cuja autoridade se estendia por terras da Croácia e da Esclavônia.
Ao levantar da aurora, alguns habitantes se aperceberam, com espanto, do novo edifício, localizado num lugar onde jamais se vira casa alguma ou mesmo qualquer cabana. A bulha do prodígio bem cedo correu por toda a parte. E a concorrência foi tremenda. Donde viera aquela misteriosa construção, toda ela de pequenas pedras vermelhas e quadradas, ligadas por cimento? E a forma oriental, o estranho ar de antiguidade, a estrutura, tudo levava a interrogações sem fim. E o que mais desconcertava e a todos boquiabria, era o que se perguntavam, sem que o pudessem explicar, de que maneira se sustinha a mole, uma vez que estava pousada sobre a terra nua, sem quaisquer fundamentos.
A surpresa, porém, e o estupor, seriam ainda bem maiores.
Quando entraram e ganharam interior, pasmaram. A câmara formava um grande quadrilátero. O teto, encimado por um
Uma porta assaz larga, aberta numa das partes laterais, dava entrada ao misterioso prédio. À direita, abria-se uma estreita e única janela. Em frente, erguia-se um altar construído de pedras quadradas, onde se elevava uma cruz grega antiga, ornada dum crucifixo pintado sobre uma tela colada à madeira, em cujo topo se lia o título de nossa salvação: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus.
O Menino Jesus, mais corpulento que as crianças ordinárias, com um rosto onde transparecia uma divina majestade.
O estupor, pois, era geral. E as perguntas que ainda no dia seguinte se faziam era cada vez mais atormentadoras, e ficavam absolutamente sem resposta.
Eis então quando surgiu a venerável figura do pastor da igreja de São Jorge, o bispo Alexandre, natural de Modruzia. E um murmúrio, febril e longo, encheu os ares – uma vez que o prelado jazia gravemente enfermo e sem esperanças de cura. Como aparecia ele, então, ali, cheio de viço e de disposição, no meio do povo? O rosto, trazia-o cheio de cor, não da cor doente da febre, e o corpo, antes fraco, movia-se com desembaraço.
À noite, no leito da dor, sentira o mais ardente desejo de ir contemplar o prodígio, cujos rumores, como um enxame de abelhas, cruzava por toda parte. Então, nervosamente, chamou por Maria, da qual lhe haviam descrito a imagem do santuário. E Maria, ao mesmo instante, como Mãe carinhosa e solícita que é, lhe apareceu. Abriu-se-lhe o céu aos olhos, e a Santíssima Virgem, rodeada de anjos sem conta, sorrindo maravilhosamente, disse-lhe com uma voz, cuja doçura, sentia-o o bom bispo, vinda toda do mais fundo do sagrado coração.
-Eis-me aqui, filho, que me chamaste, Vim dar-te um eficaz socorro e explicações sobre o mistério que teu coração deseja ver revelado. Fica, pois, sabendo que a santa morada trazida recentemente ao teu território é a casa mesma onde nasci e recebi quase toda a minha educação. Foi onde recebi a nova trazida pelo arcanjo Gabriel, onde concebi por obra do Espírito Santo o divino Menino. Foi lá, escuta, que o Verbo se fez carne! Os apóstolos, depois de minha morte,
E, sempre muito doce e rodeada de anjos sem fim, continuou:
– Esta casa, amada, muito amada do céu, cercada durante tantos séculos de honras da Galiléia, mas hoje desprovida de homenagens em meio ao desfalecimento da fé, passou de Nazaré para estas plagas.
E afirmou, peremptória:
– Aqui não há dúvida: o autor deste grande acontecimento é Deus, para quem nada é impossível.
E, olhando-o ternamente, tanto quanto poderia sê-lo a ternura mesma, finalizou:
– De resto, a fim de que tu mesmo sejas testemunha e explicador de tudo o que te disse, fica curado. Tu, enfermo desde
E, Maria, vagarosa, muito vagarosamente, subindo aos céus, sempre a sorrir e sempre rodeada de anos infindos, foi desaparecendo das vistas do bom bispo extasiado e curado, deixando no quarto um celeste perfume desconhecido da terra.
(…)Três anos e meio depois da chegada a Tersatz, a casa de Nazaré, transportada pelas mãos dos anjos, novamente elevou-se nos ares e desapareceu das vistas do povo desolado, assentando-se em Loreto.
O príncipe erigiu, mais tarde, no mesmo lugar em que estivera a doce morada, e sobre os mesmos vestígios, uma capela, onde se lia: “Aqui é o lugar onde outrora esteve a santíssima casa da bem-aventurada Virgem de Loreto, que agora é honrada sobre as terras de Recanati”. No caminho que levava ao local este prodígio, gravou-se esta inscrição em italiano: “A santa casa da bem-aventurada Virgem veio a Tersatz no ano de 1291, a 10 de Maio, e retirou-se a 10 de Dezembro de 1294”.
Quanto a história da nova transladação vejamos em que termos um velho ermitão do tempo e do país, Paulo Della Selva, escreveu ao rei de Nápoles, Carlos II:
“Em nome de Deus. Assim Seja”.
Santuário de Loreto, Itália |
Rei, para satisfazer a vossa piedosa curiosidade sobre o grande milagre da transladação feita pelos anjos da casa da santa Virgem, transportada para a Itália, na província de Ancona, ao território de Recanati, entre os rios Aspis ou Moscios e Potência, eis como foi, segundo ouvi contar por homens dignos de fé origináros de Recanati, a saber: Francisco Petri, cônego daquela cidade, e Uguccion, eclesiástico exemplar, bem como Cisco de Cischis e Francisco Percivalino, distintos jurisconsultos, que, todos, com muitos de concidadãos, viviam no tempo do milagre, dos quais li com igual atenção a narração nos registros públicos.
No ano da encarnação do Senhor, 1294, 10 de Dezembro, quando tudo estava mergulhado no silêncio, e a noite, no seu curso, ia pelo meio da rota, uma luz se espargiu do céu e, intensa, veio ferir o olhar de muitos habitantes das praias do mar Adriático, ao mesmo tempo que uma divina harmonia, despertando os mais adormecidos, arrancou a todos de casa, levando-os a presenciar uma grande maravilha, superior a todas as forças da natureza.
Viram todos, então, e contemplaram à vontade uma casa toda cercada de celeste esplendor, sustida por mãos de anjos que se poderiam contar, viajando através dos ares da noite.
Os camponeses e os pastores ficaram estupefatos diante de tão grande maravilha, e caíram de joelhos, em adoração, aguardando o fim, pensando onde iriam, afinal, descer os anos com a sagrada carga.
Foi a santa casa depositada no meio dum bosque, um bosque enorme, onde as árvore mesmas, inclinando-se, reverentes, para o chão, adoraram-na, porque adorando-a, adoravam a Rainha do céu, Ainda hoje, vêmo-las inclinadas, como para testemunhar a alegria, de acolher tão venerável morada.
Diz-se Rei, que naquele lugar, outrora, se adorava uma falsa divindade, num templo, no meio de uma floresta de loureiros, daí o nome de Loreto, como agora se chama o dito lugar.
Assim que a manhã despontou, os camponeses e os pastores abalaram para Recanati, a dar a nova. Então, todo o povo acorreu ao bosque dos Loureiros, para assegurar-se da verdade, da narração que, ansiados, faziam os que viram a maravilha.
Todos, Rei, todos nobres e gente do povo, ficaram mudos de espanto e muitos, tal a admiração, não sabiam se deviam crer no que os olhos viam. Os mais religiosos, esses, choravam de alegria.
Penetrando na pequena casa, com devoção, renderam homenagens à imagem de madeira da divina Virgem Maria, que
Entretanto, a bem-aventurada Virgem Maria multiplicava os prodígios e os milagres. A bulha de tão grande maravilha estendia-se nos lugares mais afastados e, das províncias vizinhas, todos acorriam ao Bosque dos Loureiros, que logo se encheu de casinhas de madeira, para abrigar os peregrinos.
Enquanto isso se passava, o leão infernal, que rodeia e espreita atenta, encontrando presas para devorar, fez com que surgissem ladrões e gente baixa, com cujas mãos ímpias profanaram o bosque sagrado, saqueando peregrinos e matando-os, de sorte que a devoção de muitos veio a esfriar, temerosos que ficaram todos dos malfeitores.
Ao cabo de oito meses, o primeiro milagre foi confirmado por um segundo prodígio. A santa casa deixou o bosque profanado e dói colocar-se, pelo ministério dos anjos, numa colina, pertencente a dois nobres irmãos, os condes Estêvão e Simão Rainaldi, de Antioquis, de Recanati. A devoção voltou, e os fiéis novamente iniciaram as peregrinações.
Os nobilíssimos irmãos piedosos tornaram-se os depositários da santa casa de Nazaré. Infelizmente, porém, os dois, com o passar do tempo, desentenderam-se. A santa capela, enriquecida de dádivas, levou-os à avareza, a escandalosas discussões para saber qual dos dois a dominaria. Então, Rei, o santo lar retirou-se novamente, quatro meses depois de chegado a colina dos dois irmãos condes. E, por um terceiro milagre, sempre levada pelos anjos, a casa foi depositada no meio da via pública, que conduz de Recanati às praias do mar, onde a vi eu, Paulo Della Selva, com meus próprios olhos. Lá as graças continuam a ser outorgadas aos que vão rogar a Maria, contritos e sempre admirados.
(Livro Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XXI, pags. 168 à 175, 177 à 180)
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