Paróquia Santa Luzia

Santa Teresinha Do Menino Jesus, Carmelita

Maria Francisca Teresa, ou Teresinha, depois Teresinha do Menino Jesus, nascida aos 2 de Janeiro de 1873, era filha de Luís José Aloyles Estanislau Martin e de Zélia Maria Guerin, dos quais a Santa, mais tarde diria: “O bom Deus deu-me um pai e uma mãe mais dignos do céu do que da terra.”

Depois de terem imitado, durante dez meses, a vida toda a pureza de Nossa Senhora e de São José, rogaram ao Senhor que se dignasse dar-lhes muitos filhos, e os tomasse para si. Com efeito, casados em 1858, em 1860 nasceu-lhes Maria Luísa; em 1861, Maria Paulina; em 1863, Maria Leônia; em 1864, Maria Helena, que faleceu em 1870; em 1866, Maria Celina, falecida no Carmelo de Lisieux; e em 1870, Maria Melânia Teresa, que morreu no ano mesmo em que nasceu. Com excessão das falecidas, as demais foram religiosas.Santa Teresinha_1.jpg

Santa Teresinha veio ao mundo em Alencon. Quando a mãe, a boa Zélia Maria, faleceu, contava quatro anos e, embora em tenra idade, sofreu grande choque. Luís Martin então deixou a cidade e foi ficar-se em Lisieux, nos Buissonnets, perto da farmácia do cunhado Guérin.

Teresinha, para Luís Martin, era a filha querida, a “pequenina rainha da França e da Navarra”, como a chamava. Invariavelmente, colocava-a sobre os joelhos e, em cadência de cavalinho, ia-a balançando, a cantar, destacando as sílabas:

Mon petit Reinot
qui a fait La fortune
de toute l’Auvergne,
fouchtra!

Morta a mãe, Teresinha viu-se rodeada pela ternura do pai e das irmãs, principalmente dos cuidados de Paulina, a sua mãezinha.

Desde os três anos de idade que a nossa santa resolveu nada recusar a Jesus, Assim é que, sendo a caçula, e, pois, a mais mimada, assentou que de tal privilégio não havia de abusar jamais.

Tímida, amável, obediente, às vezes, como ela mesma nos conta, era vaidosa. Vivia-lhe ainda a mãe, quando nos relata o que se segue:

Duma feita, devíamos ir ao campo, à casa duma família amiga. A mamãe disse a Maria que me pusesse o meu lindo vestido, mas que me cobrisse os braços. Não disse palavra, mostrei até indiferença, própria das crianças daquela idade, mas, interiormente, dizia: Quanto mais bonita iria eu com os meus bracinhos de fora”.

E então? Como se os santos já nascessem santos! Quanto detratores há da religião, pelo mundo afora, que, por isto e por aquilo, desmerecem os escolhidos de Deus. A santidade há que se conquistar com o combate, combate rude, que só com a graça do Alto se levará a bom termo.

Com treze anos por motivo de doença, retiraram-na do colégio, para ficar com uma preceptora da sociedade, que se encarregaria de lhe completar a educação. Daqueles tempos, diria: “Nesta salinha mobiliada à antiga, rodeada de cadernos, assisti, muitas vezes, à recepção de numerosas visitas. A mãe da minha professora era quem sustentava a conversa. Todavia, nesses dias, não aprendia grande coisa. Com o nariz em cima do livro, ouvia tudi, até mesmo o que seria melhor não ouvir. Uma das senhores dizia que eu tinha um lindíssimo cabelo, outra, ao sair, perguntava quem era a mocinha tão bonita. E estas palavras, tanto mais lisonjeadoras porque eram pronunciadas para mim, davam-me tal prazer que eu via claramente quanto estava cheia de amor próprio.

Em agosto do ano de 1879, estava, então com quase sete anos, ocorreu o primeiro fenômeno verdadeiramente extraordinário que encontramos na vida mística da Irmã Teresa, – como diz Petitot – a visão profética que se relaciona com Luís Martin. Segundo a autobiografia, confirmada pelo depoimento das principais testemunhas, dá-nos a cena como passada no verão.

Deviam ser dias ou três horas da tarde. O sol, esplendoroso, brilhava por todo os Buissonets, e a natureza parecia estar em festa.

Luís Martin estava fora, ausentava-se já de alguns dias. Em Alencon, tratava de negócios. Maria e Paulina, num dos quartos da casa, trabalhavam. Noutro quarto, Teresinha, pela janela, apreciava a natureza. Teve a santa, naquele dia, a sombria visão da mais pesada prova moral que, em 1892, muitos anos mais tarde, pois, devia afligi-la. Diz ela com pormenores: Encontrava-me sozinha a uma das janelas que davam para o jardim e tinha o espírito com pensamentos alegres, quando vi defronte da lavanderia, à minha frente, um homem vestido exatamente como meu pai, da mesma estatura, com o mesmo andar, mas mais curvado e envelhecido. Digo envelhecido para pintar o conjunto geral da sua pessoa, porque não lhe vi o rosto; a cabeça estava coberta com um espesso véu. Caminhava lentamente e, com passo regular, ao longo do jardinzinho. Imediatamente, fui tomada dum sentimento de pavor sobrenatural e gritei alto, com voz trêmula:

– Papai, Papai!

Mas a personagem misteriosa parecia não ouvir; continuou a andar sem se voltar, e dirigiu-se para um bosquezinho de pinheiros que cortava a álea principal do jardim. Esperava vê-la reaparecer do outro lado das grandes árvores, mas a visão profética desvanecera-se.

Maria e Paulina, quando ouviram aquele grito:  Papai!Papai! correram até Teresa, em busca de explicação para as notas de terror que sentiram na voz da irmã.

Cientes do sucedido, deram minuciosa busca por toda a extensão do jardim, e nada encontraram. Mas Teresa teimava e dizia:

– Eu vi um homem e esse homem parecia-se absolutamente com papai!

Cansadas de rebuscar pelas moitas, pelos arbustos, de olhar por todos os recantos que pudessem esconder um ser humano, acabaram por voltar para casa. E as duas mais velhas aconselharam a Teresinha que não mais pensasse no caso. Não pensar mais no que sucedera! Ah! Diria ela, mais tarde, se estivesse na minha mãe! Muitas vezes a imaginação me representava essa visão misteriosa. Muitas vezes procurava levantar o véu que lhe encobria o sentido, e no íntimo do coração tinha a convicção de que um dia me seria inteiramente revelada.

E o foi, de fato. Anos mais tarde, Luís Martin precisaria ir a Alençon. Julgando-se muito feliz, conta-nos Petitot, muito cheio de consolações, ofereceu-se como vítima na Igreja de Nossa Senhora:

– Meu Deus, exclamou ele, é demasiado! Sim, sou feliz demais, e não é possível ir assim para o céu – quero sofrer alguma coisa por vós! Ofereço-me para ser vítima…

Deus aceitou a oferta deste pai venerado e, pouco tempo depois foi acometido de ataques de paralisia que, pouco a pouco, acabaram por lhe tirar o uso das faculdades intelectuais. Que prova para aquele pai e para a família a perda da inteligência! Era a luz, o sol do mundo ideal que se extinguia e, com ela, tudo o que dizia respeito ao espírito sucumbia nas trevas e no caos.

Na definição do homem, se lhe tira o uso da razão, que fica? O velho curvado que Teresa vira na sua inexplicável visão é o pai acometido pela paralisia mental que avança a passo lento para o túmulo.

Coisa notável, conta-nos uma das filhas, no princípio da doença, viam-no, muitas vezes, cobrir a cabeça. Como a realidade corresponde exatamente à profecia até nos pormenores, que pareciam secundários!

Mas uma pergunta se formula, que a própria Irmã Teresa na sua autobiografia se acautela de não iludir: “Por que, escreveu ela, quis Nosso Senhor dar esta luz a uma criança que, se a tivesse compreendido, teria morrido de dor? Por que? Eis um mistério que só no céu compreenderemos para fazer dele assunto da nossa admiração. (…)

Em 1881, então com oito anos, Teresinha passou a freqüentar, como semi-pensionista a abadia beneditina de Lisieux, onde se aplicou aos estudos, tudo para que ao pai pudesse dar alegria. As boas notas que tirava, porque se esforçava para ser sempre das primeiras da turma, eram todas para o bom Luís Martin. E Teresinha estudava muito, mesmo nas horas em que os colegas pulavam o recreio. A idéia de tirar notas baixas martirizava-a.

Paulina, a doce Paulina que escolhera para substituir a mãe, a mãezinha Paulina, estava prestes a buscar a quietude do convento.

Em 1882, abria-se em Teresinha a ferida causada com a morte de Zélia Maria: com a entrada da mãezinha no Carmelo de Lisieux, ia-se transformar. Não brincaria mais, Iria viver tristemente, a suspirar. Com efeito, só faiza pensar e pensar. Começou, então a ter dores de cabeça com muita freqüência. Às vezes, queixava-se. E, para esquecer a mãezinha que se fora, estudava, estudava muito. Que falta, que grande falta lhe fazia Paulina!

Em 1883, adoeceu gravemente. Era uma doença estranha, que parecia sobretudo nervosa. As dores de cabeça, de suportáveis, passaram a terríveis, insuportáveis, e um esquisito tremor entrou a apoderar-se da menina. E as coisas do quarto em que jazia, tomavam formas fantásticas, que aterravam. Gritava. Gritava de espantar. Quando lhe iam administrar remédios, recuava, apavorada, recusava-os terminantemente. E gritava, de confranger:

– Querem envenenar-me!

Maria, a irmã mais velha, um dia, percebeu que Teresa não a reconhecia. Que dor! Aflita, pôs-se a dizer quem era. Lançando mão de toda a suavidade, calcando a dor, procurava fazer-se reconhecer. Tudo em vão.

Quem poderia descrever a amargura de Luís Martin? Que teria a sua Rainha, aquela rainha que punha sobre os joelhos e enchia de mimos?

Maria, desesperada, principiou a rogar a Nossa Senhora, numa novena, a cura da irmãzinha que não mais a conhecia. Leônia e Celina, prontamente, cheias do mais vivo fervor, uniram-se a ela, com a alma a vibrar. E Teresinha, mesmo naquele triste desolador estado, abalada por violentas crises, acompanhou-as. A segunda visão da festejada Santa de Lisieux estava próxima. Ia dar-se o milagre.

No quarto da enferma havia uma estátua da Virgem. No domingo de Pentecostes, enquanto as irmãs oravam a Nossa Senhora das Vitórias, Teresinha viu a imagem mover-se. De repente, diria, a estátua animou-se! A Santíssima Virgem tornou-se linda, tão linda, que nunca encontrei expressão que pudesse dar uma idéia desta divina beleza. O rosto respirava doçura, bondade, ternura inefáveis, mas que me penetrou até o fundo da alma foi o seu sorriso arrebatador! Então, todas as minhas penas se desvaneceram, duas grossas lágrimas me caíram das pálpebras e correram silenciosamente.

Estava curada, radicalmente curada. Tinha o rosto radiante, tão radiante, que as irmãs adivinharam a cura. E Teresinha, a elas, candidamente, tudo contou.

Em 1886, Maria, a irmã mais velha buscava seguindo as pegadas de Paulina, o Carmelo.

No ano seguinte, a “rainha da França e da Navarra” confiava ao pai o desejo que tinha de também entrar naquela ordem. Luís Martin, depois dalguma reflexão, consentiu, mas o farmacêutico Guerin, embora fosse ótimo cristão, opôs-se.

Teresinha não se desencorajou. E, toda esperança, pôs-se à espera. Conta-se dela nessa altura da vida, a conversão que conseguiu do bandido Pranzini, à força da oração. Havia vencido certos escrúpulos, porque muito impressionável, excessivamente emotiva, e agora, confiante, toda no desejo de salvar almas, propusera-se obter de Deus a conversão daquele homem à beira do abismo, Foi atendida. O capelão, que assistiu aos derradeiros momentos de Pranzini, contou que o pobre condenado, braços atados às costas, pediu insistentemente o crucifixo, ao qual, com grande amor e maior respeito, várias vezes cobriu de beijos.

Que grande alegria! Salvar uma alma prestes a perder-se. “É o meu primeiro filho, dizia ela, depois. Mandava celebrar-lhe missas pela alma, dizendo: “Não posso esquecê-lo, pois deve ter tanta necessidade disso, depois da partidas que pregou.”

Eis senão quando, o tio Guérin acabou por consentir que a sobrinha procurasse as carmelitas. Assim, com o pai, viajou para Bayeux, em busca da autorização para a entrada no Carmelo, porque tinha somente quinze anos.

O superior achava conveniente esperar até que Teresinha completasse os vinte e um, mas a jovem foi tão eloqüente, o pai apoiou-a tão firmemente, que o bispo acabou prometendo tudo fazer para que o desejo da pequena fosse satisfeito. Em Roma, a audiência com o Supremo Pontífice correu bem. Disse a ela o Papa Leão XIII:

– Se o bom Deus quiser, tu entrarás.

Escreveu a Paulina – Irmã Inês de Jesus: “Se tu soubesses como me bateu o coração, ao ver que minha hora havia chegado!”

Santa Teresinha estava no Carmelo aos 9 de Abril de 1888. A 10 de Janeiro do ano seguinte, tomava o hábito. Desde então passou a ser irmã Teresa do Menino Jesus da Santa Face. Em Fevereiro o pai era transferido para a casa de saúde de Caen.

A 8 de Setembro de 1890, fez profissão. Com vinte anos, foi encarregada da direção espiritual das noviças. Leiamos o que escreveu:

“Logo que penetrei no santuário das almas, julguei, à primeira vistam que a tarefa excedia as minhas forças, mas logo me lancei nos braços de Nosso Senhor …. e disse-lhe: Senhor, bem vedes, sou pequenina para alimentar as vossas filhas; dai-lhes, em meu lugar, o que a cada uma convém, enchei a minha mão e, sem deixar os vossos braços, sem mesmo afastar a cabeça, distribuirei os vossos tesouros à alma que me vier pedir sustento … compreendendo assim que nada podia fazer por mim mesma, a tarefa pareceu-me simplificada. Ocupava-me interior e unicamente em me unir a Deus cada vez mais, sabendo que o resto me seria dado por acréscimo…. Confesso, minha Madre, se tivesse agido doutra maneira, se me tivesse apoiado nas próprias forças, teria, sem demora, deposto as armas!”

Por toda a vida religiosa, Santa Teresinha do Menino Jesus procurou, nas mínimas coisas, praticar a regra do Carmelo. Procurava, contudo, evitar os excessos, porque não queria ser alvo de atenções. Queria passar despercebida, desejava trabalhar “sem ver o fruto do seu labor”. Às vezes era mal interpretada por esta ou aquela da comunidade, Dizia certa irmã conversa, que se azafamava na cozinha:

– Vejam como ela anda. Nunca tem pressa. Quando tem de fazer alguma coisa não serve para nada.

Por que este dito? Porque era moderada, e dizia: Vós vos entregais com demasiado ardor no que fazeis, atormentai-vos nos vossos empregos como se fosseis as únicas responsáveis por eles. Como algumas almas não lhe conheciam o caráter! Diziam as irmãs de Santa Teresinha:

Viam-na sempre sorridente, mostrando uma alegria amável, e, não penetrando na sua intimidade, podia julgar-se que seguia uma senda muito suave, muito cheia de consolações. Também muitos leitores da sua vida não descobrem a significação desse sorriso, não vêem a cruz cuidadosamente oculta debaixo das flores. Esquecem as palavras do réu profeta: “Quando se olha para Deus, fica-se radiante de alegria”.

Se as religiosas que a censuravam pudessem agir como Teresinha agia, encontrariam sem dúvida, e bem depressa, o inverso. Uma santa religiosa da comunidade, conta-nos a Santa de Lisieux, tinha outrora o defeito de me desagradar em tudo. Procurava eu então fazer por essa Irmã tudo quanto faria pela pessoa que mais estimasse. Sempre que me encontrava com ela, pedia a Nosso Senhor por ela. Prestava-lhe todos os serviços que estavam ao meu alcance, e quando tinha vontade de lhe dar uma resposta desagradável, apressava-se a dar-lhe o meu melhor sorriso, mudando de conversa. Muitas vezes, também, quando o demônio me tentava violentamente e não podia esquivar-me, sem que ela percebesse a minha luta íntima, fugia como o soldado desertor. Entretanto, disse-me ela, um dia, com ar radiante: Irmã Teresa do Menino Jesus, diga-me, em segredo o que é que em mim a atrai? Nunca a encontro sem que não me dê um gracioso sorriso. Ah! O que nela me atraia, era Jesus oculto no fundo da sua alma, o Jesus que torna doce quanto há de mais amargo!

A 29 de julho de 1894, Luís Martin falecia na casa do cunhado Guerin. Em setembro, Celina ia juntar-se às irmãs no Carmelo, Teresinha, então, era monitora. Em Dezembro, nossa Santa recebia da priora, da mãezinha Paulina, agora Madre Inês de Jesus, a ordem de escrever as recordações da infância.

Santa Teresinha ajoelhou-se diante da imagem de Nossa Senhora do Sorriso, a quem devia a cura milagrosa daqueles duros dias de enferma, orou por algum tempo, abriu o Novo Testamento e principiou a obra.

Diz ela:

Antes de tomar a pena, ajoelhoei-me diante da estátua de Maria, aquela que tantas provas nos deu das maternais preferências da Rainha do Céu, pedi-lhe que me guiasse a mão, para não escrever uma linha só que lhe desagradasse. Em seguida, abertos os Santos Evangelhos, os meus olhos depararam com estas palavras: Jesus, subindo a uma montanha chamou a si aqueles que quis …

Sem se preocupar com técnica de composição ou com o que quer que seja, sem consultar livros, memórias, dicionários ou gramáticas (apenas alguns documentos de família) foi escrevendo, calmamente, sem se exaltar. Sentada num banquinho baixo, muito baixo, escrevia sobre uma caixa, de gavetinha, colocada nos joelhos, Quieta, rememorando coisas passadas ali, dum canto da cela, perto da enxerga, compôs para os pósteros.

Inês de Jesus, leu o manuscrito e ficou maravilhada. Era um primor, uma obra-prima de simplicidade e de honestidade. Nas primeiras páginas indicou três períodos bem marcados na sua infância, conta-nos H. Petitot, até a sua entrada no Carmelo, Foi o Padre Godofredo Madalena, premonstratense, que, de acordo com a Madre Inês de Jesus, dividiu a obra em capítulos.

Como se adverte no Prefácio das últimas edições, o trabalho inicial da Irmã Teresa só compreendia os oito primeiros capítulos. Começada nos primeiros dias de 1894, a redação estava terminada a 20 de janeiro de 1896, festa de Santa Inês.

Entrando no coro das religiosas para a oração da noite, a Irmã Teresa veio entregar, de joelhos, à Prioresa, a narrativa que esta lhe mandara escrever. A Madre Inês de Jesus, que estava a acabar o termo do seu priorado e cujos momentos era absorvidos por múltiplos cuidados, colocou distraidamente o manuscrito na estante, depois levou-o para a cela e o guardou.

Alguns dias mais tarde, as irmãs tiveram que eleger outra prioresa. A eleição foi trabalhosa, A Madre Inês de Jesus, pelo seu caráter de suave firmeza, adquirira a estima das religiosas, mas a Madre Maria de Gonzaga, pelo prestígio da sua autoridade, conservava as suas partidárias. Após sete escrutínios, foi eleita.

A transmissão de poderes numa comunidade religiosa faz-se sem complicações. Todavia, a Madre Inês de Jesus andava bastante preocupada com todas estas mudanças, e esqueceu por completo o manuscrito a que não ligava importância de maior; e a Irmã Teresa despegada de tudo, buscando só a paz e o esquecimento, também tinha o cuidado de a ele não fazer a menor alusão, Ninguém pensava então na publicação dessa obra-prima. Assim, decorreram dois meses.

A Madre Inês de Jesus, voltando a simples religiosa e dispondo de mais tempo, encontrou o manuscrito, leu-o, e ficou edificadíssima e encantada.

Aos 4 de Abril de 1896, sexta-feira santa, a doença que devia levar Teresinha deste mundo declarou-se. A Madre Inês de Jesus estava desolada. A irmã quase nada escrevera sobre a vida religiosa. Embora o manuscrito desse precioso, jazia incompleto, e incompleto permaneceria se a nova prioresa não lhe desse ordem para continuar. Que fazer, se a Madre Maria de Gonzaga era muito conservadora, muito autoritária? Era bem capaz de recusar a ordem sem pestanejar.

Afinal, depois de muito pensar, Inês de Jesus, criando coragem, foi ter com a prioresa. Mais tarde, escreveria:

Vendo a Irmã Teresa do Menino Jesus muitíssimo doente, na tarde de 2 de Julho de 1897, quatro meses antes de sua morte, pela meia-noite, fui ter com a Madre Prioresa: Minha Madre, disse-lhe eu, não posso dormir sem lhe confiar um segredo: quando eu era prioresa, a Irmã Teresa escreveu, por obediência e para me dar prazer, algumas recordações de sua infância. Reli-as outro dia; é bonito, mas não se poderá tirar dali grande coisa quando tiver que se fazer circular anunciando a sua morte, porque não diz nada da sua vida religiosa. Se lhe ordenasse, ela poderia escrever qualquer coisa mais grave e não duvido de que ficaria com coisa muito melhor do que a que eu possuo. Nosso Senhor abençoou os meus passos e, no dia seguinte, de manhã, a Nossa Madre ordenou à Irmã Teresa que continuasse a sua narrativa. Já lhe tinha preparado um caderno um caderno, mas ela o achou bom demais, ainda que fosse vulgar, e temia cometer falta contra a virtude da pobreza, servindo-se dele. Perguntou-se se não seria preciso apertar as linhas para gastar menos papel. Respondi-lhe que estava muito doente para se cansar, se escrevesse desse modo. O que precisava era espacejar as linhas e escrever coom letra grande.

Em julho do mesmo 1897, havia redigido cinqüenta páginas. A pena, então, caiu-lhe da mão. Era a fraqueza. Instalaram-na, pois, numa cadeira de rodas, e Teresinha entrou a escrever no jardim, ao ar livre, à sombra dos castanheiros.

Foi ali que escreveu, para as carmelitas, as últimas páginas, como que o seu testamento espiritual. (…)

Tratando-se de graças místicas, Santa Teresa de Lisieux foi favorecida com elas.

Duma feita, a Madre Inês de Jesus perguntou-lhe se conhecera estados de oração. Teresinha respondeu-lhes:

Sim, no jardim por várias vezes, à hora do calmo silêncio da noite, no verão, tendo-me sentido em tão grande recolhimento e o coração de tal modo unido a Deus, com tanto ardor e com tão suaves aspirações de amor, que me parece que estas graças são as que a nossa Madre Santa Teresa chama vôos de espírito.

A oração de recolhimento, quando se perpetua, é como fogo que arde debaixo da cinza, diz o autor de Santa Teresa de Lisieux, mas, em certos momentos projeta chamas ou transportes de amor. Quando estes transportes de amor. Quando estes transportes são muito veementes, atravessam o invólucro da nossa carne mortal e são capazes de por a vida em risco.

Nossa Santa provou várias vezes estes transportes de amor. Uma vez, mesmo, quase veio a morrer. Diz-nos ela mesma:
Alguns dias depois do meu oferecimento ao Amor Misericordioso, comecei no coro o exercício da Via Sacra; de repente, senti-me ferida dum dardo de fogo tão ardente que me julguei à morte. Não sei como explicar este transporte; não há comparação que possa fazer compreender a intensidade desta chama. Parecia-me que uma força invisível me mergulhava inteiramente no gogo. Oh! Que fogo! Mas, que doçura!… Um minuto, um segundo mais, e a minha alma separar-se-ia do corpo …. Mas ai! Encontrava-me sobre a terra…. e a aridez, imediatamente, voltou a habitar no meu coração!.

Depois:

Enfim, minha Mãezinha, é o que os santos tantas vezes experimentaram. São João da Cruz, com efeito, cantou:

“Ó suave ardência!
Ó chaga deliciosa!
Ó suave mão! Ó suave toque!
Tendes o sabor da vida eterna …”

Santa Teresinha morreu num êxtase de amor. Como vimos, descaiu-lhe a cabeça para o lado direito, dir-se-ia que terminara o combate, mas, de repente, levantou-a, ficando a estátua de Maria Santíssima num longo, estático olhar de amor. Diz a Madre Inês de Jesus:

Julgávamos que tudo estava acabado, quando, de repente, levantou os olhos cheios de vida e chama, nos quais se refletia uma felicidade que exercia todas as nossas esperanças. A Irmã Maria da Eucaristia, querendo ver mais de perto esse olhar, que durou o espaço dum Credo, passou e repassou uma luz por diante das suas pálpebras sem as fazer vacilar. Era um êxtase, uma visão do céu, mas uma visão que lhe punha no coração demasiado amor, demasiado reconhecimento, e não pode suportar os “assaltos deliciosos” e teve que quebrar os elos dessa cadeia.

São João da Cruz expôs como morrem os santos inflamados no amor divino. Sucumbem, sem dúvida, por causa da doença, em virtude das fadigas, do peso da idade, mas o que lhes arrebata a vida é outra coisa – “é uma aspiração suprema de amor.”

Santa Teresinha, na terra, viveu de aspirações de amor: poderia, então, morrer doutra maneira, ela que, no mundo, vivia no céu?

Não sei bem, dizia, o que é que poderei ter a mais no céu do que p que possuo na terra. Verei a Nosso Senhor, é certo, mas, quanto a estar com ele, já estou inteiramente com ele na terra.

E também:

Vives em mim prisioneira noite e dia.

Um das santas mais populares do mundo, a origem da veneração e da glória de Santa Teresinha data da primeira publicação da sua autobiografia – História duma Alma – aparecida em 1898, depois traduzida para mais de trinta línguas.Antes da Primeira Grande Guerra, quando ainda não tinha sido beatificada, tinham-se editado nos primeiros quinze anos, cerca de duzentos mil exemplares em língua francesa. Cartas, pedidos de retratos, choviam, diariamente, no Carmelo de Lisieux. E o povo cristão vivia no mais fervoroso afã de conseguir o que quer que fosse pertencente a Santa Teresinha, porque, lendo a História duma Alma, tinha a certeza de que inteiramente conhecia a alma da meiga Santa de Lisieux, alma que aparecia “como um lindíssimo modelo de heróica santidade em que Nossa Senhor pôs a sua graça”. Sentia-se que logo seria beatificada, logo seria canonizada, O povo mesmo, antes da Igreja, já a havia canonizado. Fotos: santiebeati.it  /// (Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVII, p. 270 à 296)

The post Santa Teresinha do Menino Jesus, Carmelita appeared first on Arautos do Evangelho.

Fonte: Santo do Dia – Arautos do Evangelho

Sair da versão mobile