Havia várias semanas que Inácio de Loyola, oficial espanhol, nascido em Biscaia, no ano de 1491, esperava sua perfeita cura
Ele a leu, primeiro, para passar o tempo; mas pouco a pouco, tomou gosto pela leitura e a ela se dedicou inteiramente, de tal sorte, que passava assim dias inteiros. Não se cansava de admirar nos santos o amor da solidão e da cruz. Dizia para si mesmo: Como! E se eu fizesse o que fez São Francisco? E então? Se eu fizesse como um São Domingos? Aspirava sempre a coisas difíceis e grandes e parecia-lhe que tinha forças para isso, por este único motivo: São Domingos o fez, então eu o farei também. Depois a esses pensamentos de Deus, sucediam pensamentos do século.
Mas notou uma grande diferença entre uns e outros: os pensamentos do século alegravam apenas um momento, para depois o deixarem de novo triste e árido; ao passo que quando pensava na peregrinação a Jerusalém, em comer somente ervas, em praticar outras austeridades que tinha lido na Vida dos Santos, não somente tais pensamentos o alegravam no momento mas o deixavam ainda alegres. A única resolução que tomou, então, foi, após sua cura, ir a Jerusalém e praticar toda sorte de austeridades, para fazer penitência.
Pensando no que faria ao seu regresso de Jerusalém, veio-lhe à mente entrar na ordem dos cartuxos de Sevilha sem se dar a conhecer, para ser menos estimado, e comer apenas ervas; mas lembrando-se das penitências que se propunha a fazer, temia não poder, entre os cartuxos, praticar o ódio que tinha concebido contra si mesmo. Um de seus criados, indo a Burgos, recomendou-lhe tomasse informações sobre a vida desses religiosos. A narração causou-lhe prazer, mas ele ficou lá, preocupado com sua próxima partida.
Tendo-se despedido da família, sem dar a conhecer seus projetos, foi sozinho a Monte-Serrat. É um mosteiro de beneditinos, a um dia de Barcelona, construído sobre uma montanha toda coberta de rochedos e famosos pela devoção dos peregrinos, que, de todos os lugares do mundo, vem implorar socorro da Virgem e honrar-lhe a imagem milagrosa. Inácio aí fez uma
Inácio foi diretamente ao hospital. Lá teve grande alegria de ser posto no número dos pobres e em estado de fazer penitência sem ser conhecido. Começou a jejuar toda a semana a pão e água, exceto no domingo, quando comia um pouco de ervas cozidas ainda misturando-lhes um pouco de cinza. Cingiu a cintura sob as vestes de pano, de que se cobria. Castigava severamente o corpo três vezes por dia, dormia pouco e por terra. Maltratando-se assim, não teve outra vista no começo que imitar os santos penitentes e expirar suas desordens passadas. Concebeu, depois, um desejo ardente de procurar a glória de Deus, em suas ações; e o desejo tornou o motivo de sua penitência mais puro e nobre.
Refletindo sobre seu proceder, julgou que as macerações da carne o fariam adiantar pouco nas estradas do céu se não procurasse sufocar em si os movimentos de orgulho e do amor próprio. Por isso, mendigava o pão de porta em porta, apresentando um exterior grosseiro e sujo. Também, quando apareceu em Manresa, as crianças o apontavam , atiravam-lhe pedras e o seguiam pelas ruas com forte assuada.
Entretanto, corria o boato de que um gentil-homem, desconhecido tinha dado as vestes a um pobre, que esse pobre tinha sido preso como ladrão, até que o cavalheiro desconhecido tivesse declarado à polícia que lhe tinha dado aquelas vestes. A esta notícia, os habitantes de Manresa começaram a suspeitar de que o peregrino mendigo, de quem todos zombavam, poderia bem ser um homem ilustre que fazia penitência.
Inácio percebendo que o olhavam com vistas diferentes, retirou-se a uma caverna quase inacessível, nos arredores, e deu-se a penitências extraordinárias; aí foi provado por tentações diversas, como Nosso Senhor no deserto. Algumas pessoas que descobriram o seu retiro, à força de o procurar, encontraram-no um dia desmaiado à entrada da caverna e o levaram, contra vontade, ao hospital de Manresa, onde logo se perdeu a esperança de que vivesse. Os religiosos dominicanos que lhe dirigiam a consciência, tiveram piedade dele e o levaram a um mosteiro por caridade. Os sofrimentos do corpo não eram os únicos nem os maiores. O espírito das trevas atormentava-lhe a alma com tentações horríveis de desânimo e de desesperação. Por fim, entretanto, Deus restituiu-lhe saúde do corpo e a tranqüilidade da alma; deixou-lhe mesmo entrever os mistérios do céu.
Até aí, Inácio só tinha pensado em glorificar a Deus, por sua própria santificação. Compreendeu então, que Deus seria muito mais glorificado se trabalhasse também para a santificação de outros. Não é muito, dizia, que eu sirva o Senhor; é preciso que todos os corações o amem e que todas as línguas o bendigam. Saiu da solidão, moderou as
Depois de dois anos, foi estudar filosofia nas universidades de Alcalá e Salamanca.
Continuava, ao mesmo tempo, a trabalhar pela salvação das almas, catequizando as crianças, exortando os enfermos. Como a heresia de Lutero e de Calvino mandava então por toda parte seus emissários, Inácio também foi suspeito de ser um deles; mas as autoridades eclesiásticas, examinando-o de perto, reconheceram que era fiel filho da Igreja.
Tendo vindo de Salamanca para aperfeiçoar-se em Paris nos seus estudos, aí comunicou seu zelo a uma meia dúzia de companheiros com os quais se consagrou a Deus, no dia da Assunção de Santíssima Virgem, em 1534, na capela subterrânea da igreja de Montmartre. Foi essa origem da Companhia de Jesus, que tanto bem fez à Igreja de Deus, para a conversão dos infiéis, dos hereges, dos pecadores e para o progresso dos justos nas vias da perfeição. Entre os primeiros discípulos de Santo Inácio, admiramos sobretudo São Francisco Xavier, apóstolo da Índia. Oh! Quem poderia dizer os frutos incontáveis de salvação, que produziu aquela leitura casual da Vida dos Santos? (…)
Fotos: santiebeati.it
(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XIII, p. 461 à 468)